Capítulo 3

A Força e a Essência da Teshuvá

 

No tratado de Avodá Zará 4b encontramos um trecho curioso, que chama nossa atenção:

Disse Rabí Yeshoshua ben Levi: o Povo de Israel só fez o bezerro de ouro para abrir uma brecha para as pessoas que vão fazer teshuvá (Rashí explica: os membros do Povo de Israel eram fortes e dominavam seus instintos, de forma que não deveriam ter sido derrotados por eles. D’us decretou que os instintos os venceriam, para abrir uma brecha para as pessoas que vão fazer teshuvá. Se um pecador disser: “Não retornarei a D’us porque Ele não me aceitará”, dizem-lhe: “Aprenda do ato do bezerro de ouro, quando o povo renegou sua fé e, mesmo assim, sua teshuvá foi aceita.) Como foi dito: “Quem dera eles tivessem este coração para temer-Me por todos os dias” (Rashí: isso foi dito no Sinai, quando eles tinham o coração forte e corajoso em seu temor aos Céus).

É isso que disse Rabí Yochanan em nome de Rabí Shimon bar Yochai: David não condizia com aquele ato (de Bat Sheva) e o Povo de Israel não condizia com aquele ato (do bezerro de ouro). David não condizia com aquele ato pois ele atestou sobre si mesmo: “Meu coração está vazio dentro de mim” (Rashí: meu instinto do mal está morto dentro de mim e não tem força para me dominar). O povo de Israel não condizia com aquele ato, pois está escrito: “Quem dera se eles tivessem este coração para temer-Me por todos os dias”. Então, por que fizeram? Para ensinar (Rashí: um decreto Divino para abrir uma brecha a todo aquele que quer fazer teshuvá): se um só indivíduo pecou, dizem-lhe: ‘Vá ter com o indivíduo (David)’. Se foi um público inteiro que pecou, dizem-lhe: ‘Vá ter com o público (Israel)’.

Por que é preciso de dois exemplos – tanto o de Israel como o de David? Porque, se pegássemos somente o exemplo de David, que era um só, poderíamos dizer que D’us aceita a teshuvá somente num caso em que o pecado não se torna público. Já no caso de uma coletividade inteira que peca e todos ficam sabendo (acarretando a profanação do Nome Divino) – talvez não. E se pegássemos somente o exemplo do Povo de Israel, cujo mérito é muito grande, poderíamos dizer que somente num caso assim D’us aceita a teshuvá, enquanto no caso de um só indivíduo, cujo mérito não é tão forte assim, não. Por isso é preciso dos dois exemplos. Rabí Shemuel bar Nachmani diz em nome de Rabí Yonatan: [está escrito] “Diz David ben Yishai, diz o homem que foi exaltado (hucam al). O que significa isso? Diz David ben Yishai que ergueu o jugo da Teshuvá (ulá shel teshuvá)”. (Rashí explica em Moed Katan: “Pois ele foi o primeiro a fazer teshuvá e mostrou o caminho a quem deseja retornar”.)

(Avodá Zará 4b)

Este trecho da Guemará suscita uma série de questões:

1) Se havia um decreto Divino para que David e o Povo de Israel pecassem, por que eles precisavam fazer teshuvá? Afinal, foram Divinamente manipulados a cometê-lo. Mesmo que tenham absorvido impureza devido ao pecado e precisam limpar-se dela, não precisariam de “teshuvá (que implica, principalmente, em arrepender-se pela má escolha), uma vez que foi decretado por D’us que seus instintos os dominassem.

2) Por que D’us “precisava” fazer David e o Povo de Israel pecarem para que servissem de exemplo de como D’us aceita a teshuvá de todos? Afinal, muitos outros indivíduos e públicos pecaram e fizeram teshuvá, sendo possível provar a partir deles. Por exemplo: Menashê, rei de Yehudá, desceu até o último patamar da impureza e depois fez uma teshuvá duvidosa – e mesmo assim D’us o aceitou. Parece um exemplo maravilhoso. Quanto ao público, cerca de um ano depois do pecado do bezerro de ouro, o Povo de Israel cometeu o “pecado dos espiões”, desprezando a Terra de Israel. Como punição, seus membros foram condenados a passar 40 anos no deserto e ir morrendo aos poucos em vez de entrar em Israel. Somente no último ano (quando restavam uns poucos daquela geração que ainda mereciam morrer), o povo fez teshuvá e o decreto foi anulado, de forma que a última leva daquela geração não morreu, ou seja, sua teshuvá foi aceita.

3) Os comentaristas perguntam: por que consta que David ergueu o jugo da teshuvá, como se ele tivesse sido o primeiro exemplo de teshuvá (conforme parece de Rashí)? Káyin (o primeiro assassino) e Reuven (que fez um ato de discórdia contra seu pai, Yaacov) fizeram teshuvá pelos seus atos, já varias gerações antes de David ter nascido.

4) O que significa o conceito de que D’us precisa “aceitar” a teshuvá de alguém? Fazer teshuvá é uma mitsvá ativa da Torá e tem regras muito específicas: arrepender-se do que foi feito, confessar o pecado perante D’us (vidui) e assumir não repeti-lo. Se uma pessoa passou por todas estas fases já cumpriu com seu dever da Torá; sendo assim, qual a necessidade de D’us aceitar sua teshuvá?

Mais difícil ainda de compreender, é o que a Guemará levantou com opção (se não fosse David como prova contraria) sobre um público inteiro: como tem um mérito muito grande, D’us aceita sua teshuvá. Por que seria preciso mérito, se a própria Torá determina que existe teshuvá através dos três passos citados (ou seja arrependendo-se de todo coração, confessando e assumindo nunca mais repetir o erro)?

5) Analisemos mais a fundo o assunto de teshuvá conforme aparece na Guemará: “Aquele que confessa mas não abandona o pecado é como alguém que mergulha num mikvê segurando um animal impuro”. Os Acharonim perguntam: a Guemará deveria ter dito mais ainda – é como se a pessoa nem mesmo tivesse mergulhado num mikvê! Afinal, se a pessoa não abandona o mau caminho, nem mesmo chegou a fazer teshuvá, sendo que não adianta compará-la a alguém que mergulha num mikvê segurando um animal impuro.

 

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Questionamentos gerais

Para poder responder a estas questões, apresentaremos mais duas perguntas gerais sobre Rosh Hashaná:

1) Um dos paradoxos de Rosh Hashaná é o fato de que justamente neste dia – o grande dia do julgamento e o início dos Dez dias de Teshuvá – é proibido confessar os pecados (vidui). Poder-se-ia dizer que, neste dia, toda a atenção deveria ser dedicada à teshuvá, com longas confissões e selichot proferidas com o coração quebrado. Na prática, nossos sábios nos instruem o contrário: não se deve fazer vidui nem lembrar pecado algum. Os motivos: para que a pessoa não fique triste e venha a chorar, pois Rosh Hashaná é um Yom Tov e para não suscitar uma acusação. No entanto, depois de todos estes bons motivos para se abster do vidui, é preciso compreender por que D’us montou um sistema de justiça de tal forma que, no dia do grande julgamento, seja impossível confessar os pecados, chorar e fazer uma profunda teshuvá.

2) Mais um ponto a ser analisado são os três grupos de versículos recitados na amidá de Mussaf de Rosh Hashaná: Malchuyot, Zichronot e Shofarot. Malchuyot são os versículos que proclamam o reinado de D’us. Entendemos perfeitamente por que os proferimos justamente neste dia, quando coroamos D’us sobre nós. Zichronot são os versículos que demonstram como D’us lembra de tudo e de todos – muito compreensíveis no dia em que D’us lembra de todos os atos cometidos no ano e pedimos a Ele que nos lembre para o bem. Para que, no entanto, servem os versículos de Shofarot? Um dos versículos que lemos fala sobre o fortíssimo som de Shofar que soou no Monte Sinai. Qual a ligação entre o Monte Sinai e Rosh Hashaná?

Para explicar tudo isso, analisaremos a teshuvá mais a fundo:

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Teshuvá: uma questão de vontade

O principal ponto da teshuvá é a vontade do ser humano de voltar a ficar próximo de D’us, como antes de ter se afastado com o pecado. Por isso, teshuvá significa “retorno”, retorno ao estado de proximidade com D’us. “Retornarás até Hashem teu D’us”. Só pelo fato de querer, a pessoa já consegue recobrar esta proximidade com D’us, conforme consta no livro Messilat Yesharim: “Pois, de fato, como é que a pessoa pode consertar o que entortou quando o pecado já foi cometido? Digamos que a pessoa assassinou ou cometeu uma relação ilícita – como pode consertar um ato destes? Seria ela capaz de apagar da realidade um ato que já foi feito?… Mas a verdade é que a piedade Divina dá a teshuvá aos pecadores com benevolência total, de forma que, quando a pessoa elimina a vontade que a levou a fazer o ato, é como se tivesse eliminado aquele ato também”.

Se analisarmos a fundo, o fato de uma pessoa querer sair do estado de afastamento e entrar num estado de aproximação não deveria “consertar” o próprio pecado por ela cometido. Afinal, ela cometeu um ato errado e se auto confinou ao estado de afastamento. Esta de fato é a “benevolência total” citada pelo Messilat Yesharim: D’us, em Sua piedade e benevolência, criou o conceito da teshuvá, conceito este que significa que D’us leva em conta a “vontade” da pessoa para trazê-la do estado de afastamento ao estado de proximidade. Em outras palavras, se a pessoa agora tem vontade profunda de voltar a estar perto de D’us como antes do pecado, o Misericordioso transforma esta “vontade” em realidade (dependendo de alguns pontos que serão abordados na continuação deste capítulo), sendo esta transformação algo ilógico, fruto de Sua misericórdia.

Esta é a explicação do que dizem nossos sábios:

“Perguntaram à sabedoria: ‘Qual é a punição de um pecador?’. Respondeu-lhes: ‘O mal perseguirá os pecadores’. Perguntaram à profecia: ‘Qual é a punição de um pecador?’. Respondeu-lhes: ‘A alma pecadora morrerá’. Perguntaram a D’us: ‘Qual é a punição de um pecador?’ Respondeu-lhes: ‘Ele fará teshuvá e será expiado’. É isso que está escrito: ‘Misericordioso e justo é o Eterno e, por isso, aos pecadores reensina seu caminho’, ou seja: ensina aos pecadores a forma de fazer teshuvá”.

Daqui vemos que, de se fosse dependente da sabedoria ou até mesmo da profecia, não haveria a opção da teshuvá. Pois, como a vontade poderia apagar algo que já foi feito? Somente D’us poderia criar este conceito.

É por isso que está escrito em Pessachim 54a que a teshuvá foi criada antes do mundo; afinal, de acordo com os parâmetros da criação, não há possibilidade para a teshuvá.

É isso que significa que D’us “aceita” a teshuvá. Afinal, não basta que a pessoa se arrependa, derrame rios de lágrimas, confesse a D’us o que fez e assuma de todo coração nunca mais tornar a cometer aquele erro. No final das contas, como ela será capaz de elevar-se do baixo nível em que estava e voltar a estar próxima? É por isso que existe a necessidade de D’us “aceitar” sua teshuvá, ou seja, “levar em conta” a vontade da pessoa para elevá-la espiritualmente e torná-la próxima de Si.

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Acima do nível de origem

A revolução da criação do conceito da teshuvá não pára aí. Uma vez que o báal teshuvá (a pessoa que fez teshuvá) almeja o Criador e deseja Sua proximidade, D’us leva em conta a intensidade da vontade e o aproxima de acordo com ela. Assim, por intermédio da teshuvá, uma pessoa pode ficar ainda mais próxima de D’us do que estava antes do pecado. Desta forma, além de ter criado o conceito da teshuvá, D’us ainda inovou ao levar em conta a vontade daquele que retorna, sem ligação alguma ao estado espiritual em que este se encontrava antes. Isso significa “aceitar a teshuvá” de alguém.

Este conceito se percebe nas palavras do Rabênu Yoná no início de seu livro Shaarê Teshuvá:

“Uma das coisas boas que D’us fez para Suas criaturas é ter preparado a elas o caminho para emergir da armadilha de seus atos e do balde de seus pecados… e a Torá explica que D’us ajudará os que retornam mais do que sua natureza lhes permite, renovando dentro deles um espírito puro para atingir o nível de Seu amor, como está escrito: ‘Retornarás até Hashem, teu D’us’, e logo depois: ‘D’us retirará a pele grossa que envolve teu coração e o coração de tua descendência’ – para atingir Seu amor”.

O sagrado Zôhar traz essa idéia claramente: depois de discorrer sobre a elevação espiritual de quem serve a D’us, que é lenta e constante (a exemplo de Avraham Avinu), o Zôhar acrescenta que baalê teshuvá “pulam” todo o processo em um só momento e chegam a níveis mais elevados do que aqueles que nunca pecaram. E isto explica bem o dito de nossos sábios no Talmud: “No lugar onde baalê teshuvá se encontram – os inteiramente justos não são capazes de se encontrar”.

No livro Michtav Meeliyáhu, o Rav Dessler explica que, como os baalê teshuvá se elevam com a força da bondade da teshuvá, chegam a níveis inatingíveis por pessoas que nunca pecaram. Isso ocorre porque as pessoas que nunca pecaram vão se elevando com a força da justiça (ou seja segundo o que merecem devido a seus esforços no serviço a D’us), enquanto os baalê teshuvá se elevam com a força da Bondade Divina. É a mesma bondade de que falamos que faz com que estas pessoas atinjam níveis incríveis somente pela vontade de chegar a eles.

Agora podemos entender o que disse Rabênu Hakadosh sobre a história de Rabí Eliêzer ben Dordaya: “Como se não bastasse que os baalê teshuvá são aceitos, ainda os chamam de Rabi”, ou seja: além do báal teshuvá apagar o seu passado e ser reconhecido como um bebê que acaba de nascer, ele ainda se eleva e chega ao nível de Rabi” mesmo que não estudou nada para isto. Segundo o explicado, o motivo para esta conquista é o fato de o báal teshuvá ter se entristecido do fundo do coração por não ser um “Rabi”.

Agora também podemos entender o que nossos sábios disseram em Yomá 86a: “Grande é a teshuvá, pois chega até o Trono da Glória”. Como as almas de Israel são talhadas embaixo do Trono da Glória, isso significa que o báal teshuvá consegue chegar até o nível mais alto de sua alma, que com certeza é um nível muito mais alto do que aquele que antecedeu o pecado. Com a força da aflição por ter pecado e o anseio pela união com D’us, o báal teshuvá chega até o Trono da Glória, que é o auge da união com o Criador.

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Entendendo outros ditos de nossos Sábios

À luz de tudo o que foi dito até agora, talvez dê para explicar as palavras do midrash Kohêlet Rabá (8:17), segundo o qual a teshuvá está remota de Israel e próxima de Israel. Como algo pode ser próximo e afastado ao mesmo tempo? A resposta é que a teshuvá é algo próximo porque seu principal ponto é a vontade. Por outro lado, esta vontade tem um efeito que é longe de ser compreendido.

Agora também entendemos por que aquele que confessa o pecado mas não o abandona é comparado àquele que mergulha num mikvê segurando um animal impuro, e não àquele que sequer entra num mikvê. Um homem que anseia pela proximidade com D’us mas não consegue desligar-se dos pecados por ter se acostumado a eles é como alguém que de fato mergulha no mikvê. Afinal, a vontade que aquele homem tem é de fato a força da teshuvá e ele deveria purificar-se com esta vontade. No entanto, como ainda mantém a impureza do pecado, a imersão não é eficaz.

Agora entendemos o que nossos sábios dizem em Yomá 86b: “Aquele que faz teshuvá por amor, os pecados que cometeu propositadamente passam a ser considerados méritos”. O motivo é que justamente por ter cometido pecados propositadamente acaba sentindo em sua alma uma ânsia por D’us – no caso em que ele realmente O ama. Uma vez que os pecados o levaram a uma elevação espiritual maravilhosa, muito além do nível ao qual chegaria sem os pecados – estes se transformam em méritos.

Porem quem retorna a D’us somente por temor (e não por amor), não anseia a proximidade com D’us; ele simplesmente não quer permanecer na situação baixa em que está agora – ou por medo de ser castigado ou por veneração a D’us, entendendo que não é digno estar sujo de pecados perante o Rei Supremo. Neste caso, D’us não o eleva a níveis acima daquele em que estava antes do pecado, pois a “aceitação da teshuvá”, conforme vimos, significa que D’us leva em conta a vontade da pessoa. Uma vez que a vontade desta pessoa é simplesmente não ficar suja de pecados, sem um anseio especial de aproximar-se mais de D’us, assim será: seus pecados feitos propositadamente serão considerados pecados feitos sem saber, diminuindo sua severidade. No entanto, não subirá a níveis maiores que o estado de limpeza. Fica então claro, o porquê de nossos Sábios frisarem, que somente aquele que faz teshuvá por amor, seus os pecados passam a ser considerados méritos.

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Os melhores exemplos

Agora entendemos a passagem do Talmud que citamos no começo deste capitulo, ou seja entendemos por que os dois exemplos escolhidos para nos ensinar sobre a força maravilhosa da “aceitação da teshuvá são justamente: 1. o Povo de Israel após a outorga da Torá; e 2. David Hamelech. Como explicaremos:

O estado espiritual do Povo de Israel no Monte Sinai, sobre quem foi dito “Quem dera eles tivessem este coração para temer-Me por todos os dias”, era de tal proximidade Divina que não eram capazes de pecar de forma alguma. São justamente eles que, ao serem rebaixados de seu alto nível devido a intervenção do decreto Divino, sentem tamanha ânsia e “saudades” por D’us que sua teshuvá é “aceita”, ou seja: eles chegam aos níveis mais altos que é possível chegar por intermédio da teshuvá – até o Trono da Glória. Este é um bom exemplo da força da “aceitação” da teshuvá, ou seja: da elevação espiritual adquirida graças à vontade de aproximar-se a D’us.

O mesmo se dá com David Hamelech: ele disse “meu coração está vazio dentro de mim”, ou seja: estava tão próximo de D’us que seu mau instinto não tinha força de sobrepujá-lo. Justamente ele, quando tropeçou, desejou a proximidade Divina acima de qualquer outra pessoa e chegou aos níveis mais altos que um indivíduo é capaz de chegar com a teshuvá. Por isso ele foi o primeiro a criar o “jugo da Teshuvá”, pois ele é o primeiro indivíduo a chegar ao nível mais elevado que a teshuvá propicia. Desta forma, ele revelou a todos a força da “aceitação” da teshuvá. Por intermédio desta revelação, ninguém mais pode pensar que não o aceitarão, ou seja: que não se elevará com sua teshuvá.

Neste ponto, não há mais lugar para a pergunta apresentada no início do capítulo: por que David e a geração do deserto precisavam fazer teshuvá se pecaram devido ao decreto Divino? Depois do que explicamos, somos capazes de entender que a essência da teshuvá é a vontade de reaproximar-se de D’us e a saudade e a ânsia de colar-se a Ele. Esta vontade existe mesmo que não pecaram pela própria vontade, uma vez que no final das contas – querendo ou não – chegaram ao estado de afastamento.

 

 

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A teshuvá especial de Rosh Hashaná

Depois de tudo isso, também fica claro o que perguntamos: por que justamente em Rosh Hashaná, o dia em que mais precisamos da teshuvá, D’us nos proíbe de confessar e chorar pelos pecados?

Justamente porque em Rosh Hashaná precisamos da maior teshuvá que existe, precisamente neste dia o ideal é concentrarmo-nos na ânsia pela proximidade de D’us. Isso é feito pelas orações do dia, cuja essência é pedir que D’us Se revele e reine sobre nós, e todos unam-se como um só grupo para cumprir Sua vontade de todo coração. Todas estas orações são a expressão de nossas saudades de D’us no exílio, quando estamos afastados Dele. Tudo isso é como se fosse um enorme mikvê de águas purificadoras para o Povo de Israel, o que é o principal ponto da teshuvá. Já o choro e a confissão dos pecados são detalhes – lembrar-se de soltar o animal impuro da mão. Ao confessar e chorar pelo pecado, a pessoa enraíza em seu coração o quanto é preciso distanciar-se do pecado. Isso é feito no mês de Elul e nos dias depois de Rosh Hashaná até Yom Kipur. Já em Rosh Hashaná, é preciso ater-se ao principal e mergulhar no mikvê.

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O shofar e o desejo mais puro

Agora podemos tentar explicar o que se esconde por trás da mitsvá de tocar o shofar em Rosh Hashaná. O toque do shofar é uma declaração de proximidade entre o Povo de Israel e D’us, como explicaremos:

O toque do shofar é a força do sopro do ser humano. O sopro de ar que se encontra na boca do ser humano é o símbolo de sua ligação com D’us e do fato de ter uma centelha Divina dentro de si. Afinal, D’us deu uma alma ao homem ao soprar (espiritualmente dizendo) dentro dele um sopro de vida, como está escrito: “E D’us criou o (corpo do) homem com ao pó da terra, e soprou em suas narinas a alma da vida…”. O Zôhar acrescenta sobre isto que “Aquele que soprou, soprou de Si”. Por isso, quando se enfatiza a força do sopro do homem por intermédio do toque do shofar, que é o sopro humano da forma mais barulhenta e eminente, estamos declarando o quanto estamos unidos a D’us.

Talvez esta seja a profundidade das palavras de Rashí no Tratado de Rosh Hashaná 15b – que o Satan fica confuso com o toque do shofar porque vê o amor do Povo de Israel por esta mitsvá, pois eles tocam e repetem os toques algumas vezes. É difícil de entender esta afirmação, pois o Povo de Israel cumpre muitas outras mitsvot da maneira mais embelezada possível e muito além do que a lei exige. O que há de peculiar no shofar para sentir o amor especial de Israel pelas mitsvot de D’us?

É possível explicar com os princípios que aprendemos até aqui: a essência do amor pelas mitsvot é o amor a D’us. O próprio toque do shofar é uma declaração de amor e união a D’us. Por isso, o cumprimento embelezado e além do que a lei exige, nesta mitsvá em especial, é uma declaração muito maior de amor a D’us. Trata-se de um mikvê poderosíssimo que envolve o Povo de Israel e impede o Satan de lembrar as coisas negativas ocorridas durante o ano todo.

Agora também podemos entender o porquê da obrigação de recitarmos os versículos de Shofarot em Rosh Hashaná. Como o toque do shofar expressa e declara o amor e a união entre a Congregação de Israel e D’us, no Monte Sinai o toque foi muito forte. Da mesma forma, quando Mashiach chegar, haverá um toque de shofar maior do que todos os que já houveram. Quem lê os versículos ligados a estes momentos de união com D’us e os analisa bem despertará dentro de si uma forte ânsia pela proximidade Divina. Desta forma, ele cumprirá a essência deste dia, que é chegar a um desejo profundo e forte de ligar-se ao Criador, bendito seja.

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A segunda etapa

Com tudo isso, é muito importante lembrar que este serviço de despertar a ânsia por D’us em Rosh Hashaná – é só a primeira etapa, é o mergulhar no mikvê. Os dias que o procedem – todos os dez (ou seja oito restantes) dias do arrependimento – devem ser aproveitados para jogar bem longe o animal impuro que porventura estejamos segurando. É preciso confessar os pecados perante D’us e realizar as demais etapas da teshuvá, completando-a da maneira mais perfeita possível em Yom Kipur, “pois este dia os expiará, purificando-os de todos os seus pecados, de forma que vocês se purifiquem perante D’us” .

 

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MIGDAL GOOD