A Festa de Sucot

 

 

 

 

Capítulo 7

A Singularidade da Festa de Sucot

 

 

Sentem-se em sucot sete dias… para que saibam tuas descendências que em sucot Eu fiz sentarem os filhos de Israel quando os tirei da terra do Egito…”

(Shemot 23:42-43)

 

Há uma Guemará interessante (no Tratado de Avodá Zará 3a), que prevê um diálogo que ocorrerá futuramente entre os povos do mundo [não judeus] e D’us, dialogo este que ocorrerá no Mundo Vindouro, ou seja depois da Era Messiânica, na época quando D’us vai recompensar a todos pelos bons atos que fizeram em vida antes da vinda do Mashiach, e assim relata a Guemará:

“Dizem [os povos] perante D’us: ‘Mestre do Universo! Dê-nos uma mitsvá de antemão e a cumpriremos!’ Diz-lhes D’us: ‘Tolos! Quem trabalhou duro na véspera do Shabat [Rashí: neste mundo] comerá no Shabat [Rashí: no mundo vindouro]. Quem não se esforçou na véspera do Shabat, de onde comerá no Shabat? [Ou seja somente que fez mitsvot antes da vinda do Mashiach, é que vai ser recompensado depois dela[1]]. Mesmo assim, tenho uma pequena mitsvá chamada Sucá. Vão e cumpram-na’… Imediatamente, cada um pega e monta uma Sucá sobre seu teto. D’us faz o Sol arder sobre eles como na época de Tamuz. Cada um chuta sua Sucá e sai…

[Questiona a guemará:] D’us faz o Sol arder? Mas já aprendemos que D’us não dificulta o caminho de Suas criaturas à toa? [Resposta:] com os membros de Israel já aconteceu muitas vezes de o calor de Tamuz continuar até Sucot e eles sofrerem também. [Questiona a guemará:] Mas Rava diz que aquele que está sofrendo é isento de cumprir a mitsvá de Sucá? [Resposta:] mesmo que a pessoa está isenta; mas chutar, quem chuta?

Todo aquele que lê estas palavras de nossos sábios se pergunta por que D’us escolheu, de todas as mitsvot, justamente a mitsvá de Sucá para testar os povos?

E, embora fica claro da Guemará que D’us não quis realmente dar uma mitsvá para eles, mas apenas provar para eles que não tem capacidade de cumprir mitsvot (pois, afinal, D’us fez o Sol arder sobre eles como na época de Tamuz – atitude que Ele não tomaria se fosse para dar a eles uma oportunidade), ainda cabe a pergunta citada: por que a mitsvá de sucá foi a mitsvá escolhida para provar aos povos que eles não estão preparados para o cumprimento de mitsvot?

Também é preciso analisar a resposta da Guemará: “Mesmo que a pessoa está isenta; mas chutar, quem chuta?” Embora os povos tenham agido de forma imprópria por terem chutado a Sucá, no final das contas cumpriram sua obrigação quanto a mitsvá de Sucá, pois as montaram e entraram nelas. Mesmo que quando entraram na Sucá, ficaram isentos da mitsvá devido à lei que isenta da mitsvá de Sucá todo aquele que está sofrendo dentro dela, mas por parte deles, fizeram tudo o que deveriam ter feito para cumpri-la. O fato de terem chutado a Sucá não passa de um defeito à parte, mas não é algo que anula a própria mitsvá. Assim, os povos ainda poderiam objetar que mereciam alguma recompensa, ou pelo menos poderiam dizer que se não fosse tanto calor eles sim cumpririam a mitsvá?

É interessante notar que a incompatibilidade inata que os povos têm com a festa de Sucot aparece em alguns lugares:

O profeta Zecharyá (que lemos na haftará de Shabat chol hamoed Sucot[2]) conta sobre os dias de Mashiach, quando todos os povos se unirão para cumprir a vontade Divina. Lá está escrito: “E se a família do Egito não subir e não vier… serão atingidos pela praga com que D’us há de ferir as nações que não subirem para celebrar a festa de Sucot”.

No sagrado Zôhar[3] nós aprendemos: “Sobre isso está escrito ‘Todos os cidadãos de Israel sentarão em sucot’: todo aquele que é da raiz e do tronco sagrado de Israel sentará em sucot, debaixo da ‘sombra da fé’. Já aqueles que não pertencem ao tronco e à raiz santa de Israel não se sentarão nela e retirar-se-ão de baixo da sombra da fé”.

E não só as mitsvot de Sucot parecem incompatíveis com os não-judeus, mas até mesmo o próprio período de Sucot é propício para revelar a diferença entre os outros povos e os filhos de Israel, como percebermos observando a continuação da Guemará citada acima[4]. Quando chegar Mashiach, a Torá passará a ser devidamente apreciada mundialmente, sendo que então ocorrerá que uma multidão de não-judeus vão começar a se comportar como se fossem judeus (colocando tsitsít, tefilín, mezuzá etc“convertidos arrastados”). Porém conta a Guemará que esta situação vai durar somente até o início da guerra de Gog e Magog na entrada de Jerusalém, quando então esta multidão vai resolver abandonar seu “judaísmo” recém-adotado, por medo do inimigo que não simpatiza com os judeus. O Rav Hai Gaon escreve[5], que existe uma tradição que revela que esta guerra ocorrerá nos dias da festa de Sucot. Em suma, os não-judeus que tentarão ser judeus, vão mudar de idéia justamente no período de Sucot.

Voltamos à pergunta: o que tem de especial na mitsvá de Sucá (e na festa de Sucot), mais que em outras mitsvot, para ela ser tão inadequada aos demais povos?

Antes de responder esta questão, analisemos um pouco mais sobre a essência da mitsvá de Sucá.

*

Além do necessário

Sobre o versículo citado no começo deste capítulo, consta no Tratado de Sucá 11b:

‘… que em sucot Eu fiz sentarem os filhos de Israel ’ – [estas sucot] eram as nuvens da Gloria. Estas são as palavras de Rabí Eliezer. [Mas] Rabí Akivá diz, literalmente sucot mesmo que fizeram para eles.

Segundo Rabí Eliezer, a mitsvá de Sucá vem lembrar as “nuvens da glória” com as quais D’us protegeu nosso povo ao vagarem pelo deserto, após a saída do Egito. As nuvens da Gloria tinham varias funções milagrosas, como por exemplo: protegiam nosso povo do frio e do calor formando um ambiente com temperatura ideal[6]; alisavam o caminho no deserto tornando-o um planície para que não tenham que subir e descer montes[7]; limpavam o terreno de répteis indesejáveis[8]; e não só isto como ainda lavavam e passavam as roupas dos judeus sem causar desgaste ao pano[9]. Se refletirmos, há uma diferença básica entre o milagre das nuvens da glória e todos os demais milagres que ocorreram com nosso povo. Todos os milagres eram praticamenteindispensáveis”, como o man, por exemplo, para que o povo não morresse de fome. O poço de Miriam era necessário para que não morressem de sede. As dez pragas eram necessárias para que o Faraó aceitasse mandá-los embora do Egito, e assim por diante. Já as nuvens da glória – que serviam para proteger o Povo de Israel do calor, do frio e das dificuldades do caminho, assim como para manter suas roupas – não eram, à primeira vista, uma necessidade absoluta. As nuvens da glória eram um sinal de amor e carinho de D’us pelo Seu povo, por ter dado a eles mais do que o estritamente necessário.

Mesmo de acordo com a opinião de Rabí Akivá, segundo a qual a mitsvá de sentar na Sucá vem nos lembrar o fato de que os judeus do deserto morarem em sucot propriamente ditas – também isto demonstra a bondade Divina além do necessário, pois o Povo de Israel não teve que se esforçar para construir casas fixas no deserto a cada vez que montavam acampamento depois de uma viagem. Bastava-lhes alguns galhos de árvore como teto (mesmo que no deserto o dia é muito quente e a noite muito fria), justamente porque as nuvens da glória os protegiam do frio e do calor[10]. Ambas as opiniões são as palavras do D’us Vivo[11] e estão direcionadas para o mesmo ponto.

Por isso, a essência da festa de Sucot – lembrança a este milagre – é o amor e a afeição de D’us por nós. Esta é a “época de nossa alegria” (como se fiz no texto da oração durante a festa de Sucot) – o cumprimento das mitsvot por vontade e não por obrigação. É o momento de fazer teshuvá por amor, e não por temor como em Rosh Hashaná e Yom Kipur, assim como D’us nos deu as nuvens da glória por amor e não por ser algo indispensável.

É por isso que, na mitsvá das quatro espécies, encontramos uma lei que não aparece em nenhuma outra mitsvá: todas as quatro espécies devem ser “hadar” – belas (aprendendo do que a Torá fala sobre o etrog  para as demais espécies). Em todas as demais mitsvot, o “hidur” – embelezamento – vem somente como um acréscimo, mas não faz parte da própria mitsvá. Na mitsvá das quatro espécies, fazer além da obrigação é parte intrínseca da mitsvá: as espécies devem ser belas. Ou seja na festa de sucot a essência é cumprir as mitsvot com amor e não só cumprir com a obrigação.

Entendemos então um fato curioso que ocorre na prática, pois vemos que o povo de Israel tem o costume, por conta própria, acrescentar mais ainda, embelezando as quatro espécies além do que exige a lei, escolhendo etroguim totalmente limpos e sendo extremamente meticuloso no conceito “Ze E-li Veanvehu[12] (ou seja embelecer as mitsvot[13]), muito mais do que costumam agir nas demais festas e mitsvot.

A mitsvá de Sucá também é diferente de todas as demais mitsvot, uma vez que o judeu se ocupa dela com todo o seu corpo e o tempo todo. Esta mitsvá não é um detalhe no decorrer do dia, mas a existência do judeu durante toda a festa. Trata-se de uma expressão de amor a D’us: não como alguém que, dentro de sua vida pessoal, “também” faz a vontade Divina. Trata-se de estar totalmente imerso na vontade Divina.

Assim é possível resolver o famoso paradoxo relativo à obrigação de sentar na Sucá: por um lado, a obrigação é somente ao comer pão ou ao dormir. Por outro lado, é obrigatório o judeu transformar a sucá em sua moradia fixa e sua casa, na moradia provisória. Muitas explicações foram dadas sobre isso. Com base na idéia citada, é simples: como toda a essência da festa de Sucot é fazer além do obrigatório, o “além do obrigatório” torna-se a própria lei. Desta forma, não há contradição.

*

A diferença essencial

Agora podemos entender muito bem o que a Guemará diz sobre a relação dos outros povos com a mitsvá de Sucá. No futuro, quando os povos perceberão toda a verdade, serão capazes de cumprir todas as mitsvot práticas. Como citado anteriormente, explica a Guemará[14] que no futuro, todos os povos serão “convertidos arrastados”: colocarão tefilin em suas cabeças, tefilin em seus braços, tsitsit em suas roupas e mezuzá em suas portas (até ter início a guerra de Gog Umagog). Quando D‘us, então, quiser demonstrar que existe uma diferença essencial entre o povo escolhido e os demais povos, há somente uma mitsvá onde isto fica claro: a mitsvá de Sucá, pois esta mitsvá é uma expressão de amor a D’us, uma vontade de fazer além do obrigatório por amor a D’us. Uma vez que os povos não estão ligados a D’us na raiz de suas almas, não são capazes de fazê-lo. Eles são capazes de cumprir sua obrigação de forma técnica, mas amar D’us, fazer de boa vontade o que não é obrigatório, já é um nível que eles não podem alcançar de forma alguma. Sim, os outros povos podem sentar na Sucá, mas não há significado algum nisso. A prova é que, quando ficam isentos da mitsvá devido ao sofrimento, não ficarão tristes por terem perdido o mérito de cumprir a mitsvá de sucá, conforme faz o Povo de Israel, mas pelo contrario, chutarão suas sucot, o contrário do amor que era esperado. 

O fato de chutarem a sucá não é um defeito “externo” da mitsvá, mas a negação da essência da mitsvá da sucá. Por isso, no futuro, quando os povos quiserem objetar perante D’us que eles também podem ser como Israel se somente tiverem a oportunidade, D’us lhes mostra justamente por meio da sucá o ponto essencial de diferença entre o Povo Escolhido e as demais nações. O Povo de Israel está ligado a D’us e cumpre Suas mitsvot com amor e afeição, como um filho que serve a seu pai.

 

 

1


[1] Pois quando o Reinado Divino se revelar, e todos verem claramente a honra e a satisfação que têm os justos por terem cumprido as mitsvot, e o quão grande será o castigo aos perversos, fazer então as mitsvot já não será mais um teste para o indivíduo, e portanto não tem mais o porquê de ser recompensado por um mitsvá destas.

[2] Capítulo 14.

[3] Parashat Emor, parte 3, pág. 113a.

[4] Tratado de Avodá Zará 3b.

[5] Otsar Hagueonim Meguilá pag. 63-64. Parecido a isto (mas sem mencionar sucot em especifico, somente citando o mês de tishrí) foi trazido no Tur (Orach Chaim 490).

[6] Vide Pessikta DeRabí Yishmael parashat Beshalach.

[7] Pessikta Zutrata Shemot siman 21.

[8] Ibd.

[9] Midrash Devarim Raba 7:11.

[10] Pois Rabí Akivá não discorda do fato de haverem nuvens milagrosas para proteger o povo, pois este fato é explícito nos versículos (Shemot 13:21).

[11] Tratado de Eruvin 13b e outros lugares. Esta frase significa que quando encontramos uma divergência entre os Sábios, se nos aprofundarmos vamos descobrir que ambos estão corretos.

[12] Shemot 15:2.

[13] Tratado de Shabat 133b.

[14]  Tratado de Avodá Zará 3b.

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