Capítulo 16
O Reinado da Pérsia e o elemento da Água
Introdução breve
No capítulo 14 analisamos como cada um dos quatro exílios tem a função de reparar a força negativa de cada um dos quatro elementos que constituem o Mundo. Neste capítulo vamos examinar melhor o que diz respeito ao elemento da Água e seu respectivo exílio que é a Pérsia, pois assim poderemos, com a ajuda de D’us, esclarecer muitos fatos sobre o episódio de Purím.
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Pontos de reflexão
Há uma passagem muito curiosa no Tratado de Chulin 119b:
“Onde encontramos uma alusão a Moshê na Torá? No versículo “Beshagam hu bassar”. [D’us disse, antes do Dilúvio: “Meu espírito não continuará a julgar o homem para sempre, uma vez que ele não é mais que carne. Seus dias serão 120 anos” (Bereshit 6:3). O valor numérico de beshagam (uma vez que ele não é mais que) é igual ao do nome de Moshê. De fato, Moshê viveu 120 anos.] Onde encontramos uma alusão a Haman na Torá? No versículo ‘Hamin Haêts’ [quando D’us diz a Adão: “Por acaso comeste da árvore que te ordenei não comer?” (Bereshit 3:11)]. Onde encontramos uma alusão a Ester na Torá? No versículo ‘Vaanochi haster Astir’ [quando D’us diz ao Povo de Israel: “Naquele dia, encobrirei Minha face” (Devarim 31:18)]. Onde encontramos uma alusão a Mordechai na Torá? No versículo ‘Mor Deror’ [quando D’us diz a Moshê: “Quanto a você, pegue as mais finas fragrâncias: mor deror (mirra destilada)…” (Shemot 30:23)]. A tradução de mor deror para o aramaico é: Mera Dachya”.
Este trecho de nossos sábios exige aprofundamento em vários pontos: em primeiro lugar, por que a alusão a estes quatro personagens justamente nestes quatro versículos? Por que nossos sábios procuraram alusões na Torá justamente para estas quatro pessoas? Se o ponto em comum entre todas elas é o fato de estarem ligadas à história de Purím, por que Moshê Rabênu também é lembrado? E se não tem nada a ver com Purím, por que não procuramos alusão a outros personagens do Tanach, como Bôaz? Quanto à própria pergunta “Onde encontramos uma alusão a Moshê na Torá” – trata-se de uma pergunta estranhíssima; afinal, a partir do livro de Shemot, o nome de Moshê aparece explícito em todas as parashiyot (menos uma), até o fim da Torá.
Antes de mais nada, é preciso responder a duas perguntas importantes e essenciais que servem como chave importante para entender o assunto de Purím[1]:
1) Toda a sucessão de “acasos” na história da Meguilá e os esforços espirituais e materiais de Mordechai e Ester foram para conseguir algo que a priori não parece essencial: que fosse permitido aos judeus se organizarem para a guerra e se defenderem durante o genocídio programado. De fato, quando conseguiram esta “permissão”, os judeus consideraram como se já estivessem salvos: “Também em toda província e em toda cidade aonde chegava a palavra do rei e a sua ordem, havia entre os judeus alegria e regozijo, banquetes e festas” (Ester, fim do capítulo 8). É tão espantoso! Afinal, o terrível decreto ainda estava em vigor! No dia 13 de Adar, todos os exércitos do rei Achashverosh, em todos os 127 países, lutariam contra os judeus, tentando exterminá-los. O fato de os judeus poderem se organizar e empunhar armas não iria ajudar muito, não fosse um milagre inesperado: que todos os povos passaram a temer os judeus (milagre este que não parece ser o ponto principal do episódio de Purím, pois é pouco enfatizado pela Meguilá e pelos nossos sábios). Imaginemos que a Europa, os EUA e todos os países árabes declarassem guerra contra um pequeno e fraco país na África. Depois, dar-lhe-iam a “boa notícia” de que o país teria direito de preparar-se para a guerra. Será que o país ficaria feliz e aliviado em saber disso? A história da Meguilá é mais difícil ainda de entender, pois como mencionado, todos os eventos “acasos” e ações relatados na Meguilá tinham o único objetivo de obter esta “boa notícia” (a permissão de se prepararem para a guerra), que parece não ter sentido algum.
2) Por que D’us fez as coisas ocorrerem de tal forma que fosse impossível anular o decreto anterior do rei? Não seria mais simples anular o decreto que mandava todos os povos atacarem os judeus? Se o motivo de D’us era para que os judeus pudessem matar seus inimigos, Ele podia fazer com que Achashverosh simplesmente decretasse o extermínio destes inimigos, assim como fez com Haman!
Além destas duas perguntas principais, há mais algumas:
3) De acordo com Rabí Shimon Bar Yochai[2], o motivo do decreto de Haman foi o fato de o Povo de Israel ter se ajoelhado para a estátua de Nevuchadnetsar, muitos anos antes. Por que foram castigados no exílio da Pérsia por algo feito no exílio da Babilônia?
4) De acordo com os alunos de Rabí Shimon Bar Yochai[3], o decreto de Haman veio como reação ao fato de terem “tido proveito da refeição daquele perverso (Achashverosh)”. Os midrashim de fato atestam que este foi o motivo. Portanto devemos concluir que tanto a opinião de Rabí Shimon como a opinião de seus alunos são corretas: “Elu veelu divre Elokim Chaim” (tanto a opinião de um como do outro são as palavras do D’us Vivo)[4]. Parece então, que o fato de os judeus terem se ajoelhado para a estátua de Nevuchadnetsar e o fato de terem aproveitado da refeição de Achashverosh são o mesmo tipo de pecado, cuja reação foi o decreto de Haman. É preciso entender isto.
5) O dia que antecede Purím é um dia de jejum denominado “Taanit Ester”. Em nenhuma outra festa, mesmo as que comemoram salvações, há um dia em lembrança ao aperto que veio antes da salvação, uma vez que este já passou. Mesmo que em Pêssach exista uma pequena lembrança à escravidão ao comermos o maror, não se trata de um sofrimento propriamente dito como jejuar. Afinal, por que fazer todo o povo jejuar em lembrança a um aperto que já não existe mais?
6) O midrash[5] conta que quando Haman fez seu decreto, ocorreu o seguinte episódio (no plano espiritual – no mundo das almas): o profeta Eliyáhu pediu ao patriarca Avraham que rezasse para tentar anular o decreto. Avraham respondeu que não tinha como ajudar. Eliyáhu pediu ajuda ao patriarca Yitschak, mas sua resposta também foi negativa. O mesmo se deu com Yaacov. Só quando Eliyáhu falou com Moshê Rabênu, este pediu a Eliyáhu que desça ao mundo físico e avise a Mordechai que orasse junto com ele. As orações conjuntas de Moshê e Mordechai levaram à anulação do decreto. Por que, neste caso, as orações dos patriarcas não podiam ajudar? Por que justamente as orações de Moshê e Mordechai ajudaram e por que era preciso que fossem combinadas?
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A água e os desejos
Como mencionado no capítulo 14, Rabi Moshê Cordovero zt”l explica que o reinado da Pérsia e da Média é relacionado ao elemento da água. O Arizal explica que o elemento da água representa os desejos materiais. A força negativa do reinado da Pérsia e da Média se expressava principalmente nos desejos materiais e este foi o teste pelo qual passou o Povo de Israel naquele exílio.
De fato, na profecia de Daniyel, o reinado da Pérsia e da Média é comparado a um urso e o Talmud[6] explica o porquê: “Os persas comem e bebem como um urso e são pesados, de tanta carne, como o urso”. De fato, é na Pérsia e na Média que encontramos as condutas mais exageradas relativas ao desejo: eram realizados banquetes enormes que duravam meses[7], as pessoas bebiam vinho em copos gigantescos[8], a conversa dos ministros versava sobre a beleza das mulheres das diversas nacionalidades[9] e o rei não teve outra coisa para pedir além de que sua esposa, a rainha, aparecesse perante estranhos “somente” com a coroa na cabeça. Depois, para escolher uma nova rainha, foi preciso trazer todas as moças virgens dos 127 países do império. Elas passavam por um período de um ano inteiro de tratamentos para ficarem suficientemente embelezadas antes de ir ter com o rei, e muito mais[10].
A partir disso é fácil compreender por que a queda do Povo de Israel foi justamente por ter “tido proveito da refeição daquele perverso”, pois este de fato era o teste daquela geração: não cair nos prazeres do corpo.
O Midrash Ester Rabá ainda acrescenta:
“Haman disse a Achashverosh: ‘O D’us deles odeia a depravação. Deixe “damas” no local, faça um banquete e obrigue todos eles a comparecer. Eles comerão, beberão e farão o que lhes aprouver, como está escrito: ‘fazer de acordo com a vontade de cada um’. Quando Mordechai viu isso, clamou: ‘Não comam da refeição de Achashverosh’, mas eles não ouviram suas palavras e todos foram para o banquete. Disse Rabí Yishmael: 18.500 judeus foram ao banquete, comeram, beberam, embebedaram-se e estragaram-se. Imediatamente, veio o Satan e denunciou-os perante D’us… D’us disse ao Satan: ‘Traga-Me um pergaminho e escreverei nele “extermínio”’”.
Ou seja, acabaram caindo nos desejos mais baixos e foi por isso que se acendeu a ira Divina. (Quanto à linha de Rabí Shimon Bar Yochai, segundo a qual o pecado foi outro, explicaremos adiante).
Agora é possível entender por que a oração dos patriarcas não adiantou para anular o decreto, somente a junção das preces de Mordechai e Moshê. Quando é preciso vencer o elemento da água (o desejo), há dois caminhos: 1) Guerra frontal – como Yossêf fez ao vencer seu instinto. 2) Desconsideração total – conforme Moshê fez, ao permanecer quarenta dias e quarenta noites sem comer[11] e ao separar-se totalmente de sua esposa[12] (diferentemente de Yossêf, que não caiu na tentação da esposa de Potifar, mas se casou com a filha adotiva desta mulher). Já sobre Mordechai, diz o Midrash[13] que teve uma vida muito semelhante a de Yossef. E mais, está escrito na Meguilá[14]: “Mordechai atravessou” – nossos sábios[15] contam que ele atravessou um canal de água… qual seria a importância deste fato? O Megalê Amukot explica que isso é uma alusão ao fato de que a força de Mordechai é vencer o elemento da água. Por isso, a oração de Moshê juntamente com a de Mordechai tinha força para anular o decreto que veio como reação ao fracasso do povo no elemento da água.
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Desejos – um sinal e não um objetivo
É preciso entender melhor o conceito do desejo. D’us criou o mundo de tal forma que as criaturas sintam prazer ao realizar determinados atos. Isso é um sinal de que é para realizá-los. Se as pessoas não tivessem prazer em comer, não se alimentariam e acabariam morrendo. Se não existisse o desejo matrimonial, os seres humanos não se reproduziriam, enquanto D’us deseja que o mundo que Ele criou seja habitado. O problema do desejo é quando as pessoas transformam o sinal, o meio, em um fim per si, negligenciando o verdadeiro objetivo. Assim, muitas pessoas comem para ter prazer e não percebem que o prazer é somente uma “mensagem” do corpo dizendo que é preciso comer. O mesmo se dá em relação a todos os prazeres físicos. É por isso que o desejo pertence ao elemento da água. A água representa o verdadeiro papel dos prazeres e o motivo de terem sido criados por D’us: nada é mais necessário ao homem que a água, que compõe 75% de seu próprio corpo. No entanto, somente quem está com sede sente prazer ao beber água. Se o corpo não necessita de água, ou seja se não há o objetivo pelo qual beber, a pessoa, em geral, não vai bebe-la.
No Taná Devê Eliyáhu Raba[16] consta:
“Daqui se aprende: todo aquele que rejeita o sofrimento (isto é não sabe encarar sofrimentos inevitáveis da forma correta)… acaba fazendo coisas feias”[17].
Geralmente a expressão “coisas feias” [chiur] é atribuída a atos extramatrimoniais proibidos. Por que alguém que despreza o sofrimento acaba fracassando justamente nisso? Podemos explicar da seguinte forma: o problema de transformar a mensagem dos desejos em um fim per si também existe em relação ao sofrimento, que é o contrário do prazer. O sofrimento também é um sinal e aviso de D’us, tanto aviso físico [por exemplo quem sente dor em um órgão interno deve consultar seu médico para verificar o motivo e não tomar um comprimido contra dores] quanto no plano espiritual [os sofrimentos demonstram que há algo de errado com a conduta da pessoa, ou avisos semelhantes]. A pessoa pode errar e achar que o próprio sofrimento é um fim per si contra o qual é necessário lutar. Acaba se esforçando de diversas formas para retirar o “sinal” (o que é legitimo mas não deve parar por aí), sem perceber que se trata de um aviso sobre um outro assunto importante que deve ser tratado com o devido respeito. Qualquer coisa semelhante [transformar o sinal em fim] é uma falha que se enquadra na definição de “elemento água” [18]. Por isso nossos sábios determinaram que todo aquele que tem essa virtude de renegar o sofrimento sem encará-lo da forma correta acabará fracassando em desejos muito baixos, uma vez que se trata da mesma falha.
Voltemos, portanto, ao assunto de Purím. O Povo de Israel fracassou no teste especial do reinado da Pérsia – o desejo – ao aproveitar da refeição daquele perverso. Rabí Shimon Bar Yochai acrescenta que houve outro pecado ocorrido ainda no exílio da Babilônia – terem se ajoelhado à estátua de Nevuchadnetsar – mas que pertence às características do reinado da Pérsia e, por isso, foram castigados justamente no auge do reinado da Pérsia. No que consistia este pecado? No livro de Daniyel está explícito que Nevuchadnetsar não fez a estátua por idolatria. Ele ordenou que se ajoelhassem perante ela para simbolizar[19] o fato de que o reinado da Babilônia duraria para sempre e o reinado do Mashiach nunca se ergueria. Como os judeus aceitaram fazer um ato tão improprio? O povo de Israel não deu importância ao objetivo de Nevuchadnetsar. Só olhou para o sinal, como se fosse uma realidade per si o fato de Nevuchadnetsar exigir que se curvassem – só pela honra, como um ato insignificante. Caso tivessem se aprofundado no objetivo que se escondia por trás do “sinal” externo de se curvar, nunca teriam concordado em participar de um ato que é uma luta impudente contra D’us e seu Mashiach. O banquete de Achashverosh também tinha esta intenção por trás: nossos Sábios dizem[20] que o rei estava festejando o fato de que, pelas suas contas, o exílio de Israel já deveria ter acabado e, como nada acontecera, ele nunca seria salvo. Os judeus, mais uma vez, não enxergaram o verdadeiro objetivo que estava por trás do banquete. Há uma regra “gravitacional” espiritual: Um pecado acaba trazendo outro[21] (a não ser que a pessoa se esforce mais). Sendo que não perceberam o objetivo por trás dos meios, perderam-se nos desejos baixos (que haviam na ocasião daquela refeição) que também significa olhar os meios e não o objetivo muito específico. Devido a estes pecados, D’us fez com que Achashverosh seja tentado (por Haman) a promulgar o decreto terrível do extermínio.
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A Reparação
Para retificar o erro espiritual do povo judeu, a Rainha Ester instruiu o Povo de Israel que era preciso trabalhar o ponto defeituoso. Para tanto, ela decretou um jejum de três dias e noites seguidos – o que vai quase além da resistência humana e representa o contrário dos desejos[22].
De fato, a reparação que o Povo de Israel atuou naquele episódio, tem mais um nível de profundidade. No capítulo 9 explicamos que o Povo de Israel na época de Purím foi testado por D’us a reconhecer que o decreto de Haman não se tratava de um “triste acaso”, mas sim, um decreto Divino pos seus pecados. Eles precisavam retornar a D’us e não confiar na diplomacia de sua irmã Ester no palácio real. Agora, podemos entender mais um nível: parte do problema do elemento da água é não entender a mensagem implícita no sofrimento. É deixar de compreender que o sofrimento é um “sinal” e não uma realidade per si. Na época de Purím, o povo de Israel de fato passou por esse teste com louvor. Apesar de todo o ocultamento Divino de sua época, sabiam que o decreto de Haman era somente um “sinal” de que D’us estava chateado com eles e que eles precisavam corrigir seus atos. Reconhecer isso é o conserto das falhas que se enquadram na definição de “elemento água”.
A partir de agora, é possível entender por que, quando Achashverosh permitiu aos judeus se defenderem, estes ficaram muito felizes. Como sabiam que sua missão agora era “ler” os sinais Divinos, bastava saber que o rei estava de seu lado. Mesmo que, do ponto de vista material, a permissão concebida pelo rei não adiantava praticamente nada (como explicado no questionamento mencionado no inicio deste capítulo), esta permissão (que demonstrava o fato do rei ter mudado de posição) era um sinal de que D’us aceitara sua teshuvá (arrependimento) e, portanto, entenderam que Ele os salvaria com um grande milagre. É por isso que D’us fez as coisas ocorrerem de tal forma que Achashverosh não pudesse anular seu decreto anterior, somente permitir os preparativos para a defesa, pois o próprio fato dos judeus saberem se alegrar vendo o mero “sinal” (ou seja se alegraram mesmo que ainda não havia nenhuma salvação palpável), é parte integrante da retificação do Povo de Israel: aprender a encarar o “sinal” como um recado de algo muito mais substantivo.
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As Mitsvot de Purím
À luz do que foi explicado, é possível entender agora o que nossos sábios instituíram para fazer em Purím. A refeição festiva (inclusive a mitsvá de embriagar-se) é para que usemos os prazeres materiais em prol de uma mitsvá, empregando os desejos como meio para atingir o objetivo e não como um fim per si. O mesmo ocorre com o Mishloach Manot: em vez de usar os alimentos para nosso próprio prazer, enviamo-los para amigos. Da mesma forma Matanot Laevyonim – concebemos aos pobres a possibilidade de se alimentarem com dignidade.
Por isto também podemos entender porque o jejum de Ester ainda é necessário todo ano mesmo depois do decreto de Haman não ter tido sucesso. Uma vez que estes dias são auspiciosos para corrigir os desvios de desejos mal conduzidos (elemento água), nossos sábios instituíram este jejum pelo mesmo motivo que foi instituído o jejum original de Ester naquela época.
A leitura da Meguilá tem o mesmo motivo: para que saibamos analisar a sequência dos eventos e percebermos que todos eles não passam de sinais de D’us e cada um tem um objetivo oculto definido por Ele.
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Entendendo os nomes
Agora é possível explicar também o trecho da Guemará trazido logo no início deste capítulo: “Onde encontramos uma alusão a Moshê na Torá?” e assim por diante:
Haman simboliza a impureza daquela época e é representado pela árvore do conhecimento (“Hamin Haêts”), que é o teste do desejo: “A mulher viu que a árvore era boa para comer e desejável aos olhos” (Bereshit 3:6). Devido a este defeito, o Povo de Israel teve que passar pelo teste de ocultamento Divino e saber ver os “sinais” como mensagens. Isso foi conseguido sob instrução de Ester, que de fato está implícita no versículo “Vaanochi haster astir” – “Então, Eu ocultarei Minha face naquele dia”. Contra a força de impureza de Haman, ergue-se a oração dos dois líderes capazes de lutar contra o lado ruim do elemento da água – Moshê e Mordechai. Moshê conseguiu elevar-se até o ponto de anular completamente o elemento da água, mantendo-se longe de sua esposa e ficando quarenta dias e quarenta noites sem comer e sem beber. Moshê chegou a este nível pois se esforçou contra o elemento da água – não por ser uma pessoa sobrenatural com um anjo, mas sim mesmo sendo um ser humano, e é justamente este o mérito. Seu nome é implícito no versículo “Beshagam hu bassar” (Bereshit 6:3): “uma vez que ele não é mais que carne”. Esta frase foi dita por D’us antes do Dilúvio, justamente por ver que até mesmo anjos que desceram a este mundo caíram nas tentações daquela geração[23]. Já Mordechai está implícito nas palavras Mor Deror do versículo que descreve os componentes do Ketoret – incenso – que é o símbolo da canalização dos prazeres em prol de D’us. Afinal, o prazer olfativo é aquele com qual mais se pode errar e achar que é simplesmente um prazer pelo prazer. Afinal, um aroma agradável não tem um objetivo específico nem uma vantagem para o corpo. Ao oferecer o Ketoret a D’us, é dado um objetivo correto até mesmo ao prazer olfativo. Assim, Mordechai é exatamente o oposto de Haman e é por isso que foi o único sábio de Israel que não se curvou a ele.
תם ונשלם, שבח לאל בורא עולם
[1] Parte das questões já mencionamos no capítulo 9, porem neste capítulp responderemos de outro modo.
[2] Tratado de Meguilá 12a.
[3] Tratado de Meguilá Ibd.
[4] Tratado de Eruvin 13b e outros lugares. Esta frase significa que quando encontramos uma divergência entre os Sábios, se nos aprofundarmos vamos descobrir que ambos estão corretos.
[5] Ester Rabá 7:13.
[6] Tratado de Meguilá 11a.
[7] Meguilat Ester 1:3,4. É interessante notar que o historiador grego Ctésias de Cnido escreve que os reis na Pérsia faziam banquetes diários para 15 mil pessoas.
[8] Conforme conta o Yalkut Shimoni, remez 1048.
[9] Conforme consta no Tratado de Meguilá 12b.
[10] A partir daqui é compreensível por que este reinado retornou (em “formato” de Yishamel) justamente no sexto milênio (conforme disse o Ramban: o exílio de Yishmael terá início no sexto milênio). Já que o sexto milênio vem em justaposição à virtude do “yessod”, o teste dos desejos renovou-se.
[11] Por isso, o nome de Moshê em hebraico significa “pois eu o puxei das águas” (Shemot 2:10). Esta era sua essência: desligamento total do elemento da água.
[12] É lógico que este caminho não é para qualquer um. A profetisa Miriam achava que até mesmo Moshê, em seu nível, não agiu corretamente. De qualquer forma, não é como a religião cristã que dita que esta é a conduta correta.
[13] Bereshit Rabá 87.
[14] 4:17.
[15] Tratado de Meguilá 15.
[16] Parashá 2.
[17] O trecho é mais longo. Trouxemos aqui somente o que tem a ver com o assunto.
[18] Transformar o sinal em objetivo, é diferente do que não ter objetivo, pois este último já se enquadra no elemento terra e não no elemento água.
Como escarificação (para quem leu o capítulo 14) deve-se notar, que transformar a busca de fortunas em objetivo (quando o propósito é a própria possessão em si e não a vida de conforto e/ou prazeres), é como não ter objetivo algum (elemento terra), pois o ajuntamento de dinheiro em si não tem nenhuma função, se não for para ser convertido (pelo menos em um futuro plausível) em algum objetivo.
[19] e acionar as forças espirituais – vide Malbim.
[20] Tratado de Meguilá 19a.
[21] Avot 4:2.
[22] Realmente, o Rabi Yossêf Karo, em seu livro Maguid Mesharim (parashat Vayakhel), escreve o que lhe revelou o “maguid” (um anjo que estudava com ele) sobre o significado do jejum de três dias que Ester decretou: “Trata-se de 72 horas para digerir a sujeira espiritual recebida pela Assembleia de Israel por ter tido proveito da refeição daquele perverso”.
[23] Pirke Derabi Eliezer, Cap. 22.